Um dos nomes incontornáveis no actual panorama artístico nacional, Tiago Hesp está presente, para os mais atentos, há já três décadas. Não gosta de etiquetas, como street art, nem de rótulos, prefere olhar a arte como um todo, algo bem patente em todo o seu percurso. Comunicador nato, é esta a escolha para a primeira entrevista da VULTO.
Tiago? Hesp? De onde vem esse nome?
É um nome que tem já muitos anos. Comecei a usá-lo em 1998, no Miratejo, onde cresci, quando comecei a pintar. A escolha do nome teve mais a ver com o agrupar de letras, pela sua forma visual, como podia olhá-las e desenhá-las. O graffiti são letras e apesar de não o fazer agora, foi aí que comecei.
Sei que és da década de 80, é algo bem perceptível no teu percurso. Nasces em 81 e entras na Escola Superior de Teatro e Cinema… fala-nos disso.
Sim, gosto muito de cinema mas sempre tive pouca ligação ao teatro. A minha ideia era entrar em Belas Artes, não consegui e prestei provas e fui aceite na escola. Trouxe-me muito, para a minha vida actual e enquanto artista. Todas as questões de conceito, já que tirei curso de Cenografia, foram super importantes para a maneira como trabalho hoje. E foi giro, ainda num plano paralelo: como sabes também faço música – e foi aí que nos conhecemos – e acabei por encontrar lá malta dessa área, que tinha outros interesses.
Já vamos ao teu trabalho, mas… e música? Bloodloss Is A Sport, album dos Fiona At Forty continua, e falo bem a sério, a ser-me especial. Como é que começaste?
Entro na música quase ao mesmo tempo que entro no graffiti basicamente porque era uma chavalo com bué vontade de fazer coisas. Ia para casa e se não estivesse a jogar computador estava a criar coisas – escrever, desenhar, inventar músicas. Alguns amigos da escola convidaram-me uma vez para ir tocar numa banda e nunca mais larguei. Houve sempre este combate interno entre a música e a pintura e até foi a última que teve mais momentos intermitentes na minha vida.
E das bandas que tiveste, qual a preferida e porquê?
Os Fiona foram importantes. Todas elas aconteceram em diferentes momentos da minha vida… mas diria que a mais importante para mim foi a última, Corda. Foi aquela onde fui mais feliz, talvez por aceitar fazer coisas mais simples, sem grandes complicações. Sendo, também, mais velho, é claro que ajudou e o facto de saber trabalhar melhor com os outros, com pressões, egos.. coisas que às vezes estragam um bocado os moods. E escrevia em português, outra vez algo que para mim era mais simples e acabava por ser mais verdadeiro. Sempre encarei as letras como forma de espanta-espíritos!
E sem ser tua? Sei que partilhamos uma banda favorita…
Sounds Like Tornado! (risos) Mas eu sei de quem estás a falar… Glassjaw! Claro que sim! O Daryl Palumbo é um dos meus vocalistas preferidos, talvez aquele que tem a maior consciência dos tempos… é brutal. Sou grande fã também de Pearl Jam, lá está, por causa da década de 90. Faith No More, grandíssimo Mike Patton! De projectos dele tenho alguns 20 CD’s. Fui ver Fantômas sozinho… Apanhei o comboio e fui a Vilar de Mouros! Também gosto de Incubus e de At the Drive-In, pelo contraste melodia/caos. E faz-me de novo lembrar dos tempos em que tocava. A partilha das pessoas, tudo o que se fazia era porque gostávamos mesmo. Servia quase como um condão para conhecermos malta que partilhava da mesma vontade e gostos! Quase uma seleção natural. Nós os dois somos prova disso.
Que influências tem/teve em ti e no teu trabalho?
Olha, uma boa pergunta… Bandas como Glassjaw, At the Drive-In, Mike Patton… todas têm uma esquizofrenia, o ir ao extremo. Que influência pode ter e que se encontra nas minhas coisas? Talvez uma procura do que é belo, pelas cores simples e vivas… mas que muitas vezes é sujado por um negrume sem o qual não conseguiria libertar a peça. Olho à volta e é verdade, não há nada que tenha feito que tente só ser bonito. Ou é bonito mas também é caos. Acredito que possa ser um paralelismo que se possa fazer, sim. É um equilíbrio, um esquizofrénico que não é desequilibrado mas sim na dose certa. Tão real, como a vida real: bonito/feio, somente a vida a acontecer.
Começas no grafitti, como qualquer miúdo nos 90’s, mas tinhas algo mais que outros não tinham… Sempre tiveste jeito para o desenho?
Não creio que tivesse mais que alguém. As pessoas melhoram quanto mais vontade têm de fazer coisas. Por exemplo, como vocalista sempre senti dificuldade mas lutei por aprender mais, não havia falta de vontade. As pessoas desenvolvem um gosto e com os gostos trabalham, trabalham, trabalham. Trabalhei muito o 3D, que não se via muito na altura. Fi-lo até 2004, com muito estudo de luz… na altura não havia internet. Comprava revistas e às vezes eram só 4 fotos que estavam ali. Era daí que aprendia. O Miratejo tinha uma grande cultura de graffiti já e saía para a rua às 7h da manhã. Houve momentos em que pintava muito sozinho, chegava a sair de lá já de noite.
Trabalhas sozinho… fechas-te muitas vezes numa garagem. Como é o teu processo e como te vês daqui a 5, 10 anos?
Olhando para trás… sim, a sensação é que trabalhei sempre muito sozinho. Agora temos a ideia que não estamos tão sozinhos por causa da redes mas o nosso trabalho é algo que se faz assim. Até porque se estás sempre a mostrar as pedras do que estás a cavar não estás a cavar… estás só a mostrar pedras. Eu gosto bastante de estar só comigo mas sinto que estou sempre acompanhado pelo trabalho que estou a fazer. É como fazer yoga! É a minha meditação.
A internet veio, de certa forma, juntar mais as pessoas, que se movem por gostos em comum e que facilmente se encontram, algo que antigamente seria muito mais difícil. Que impacto tem em ti e no teu trabalho?
Sim, claro que sim. Há muita oportunidade agora de descobrir alguém. Às vezes sigo artistas que gosto tanto e nem sei o nome deles. Mas não sou de seguir muita gente. Como em tudo, prefiro pouco e sigo só quem gosto mesmo. Por exemplo, o instagram dá-nos uma oportunidade imensa. Mais do que nos promover, é o que podemos beber e descobrir novo todos os dias. Antes uma revista durava 3 meses e olhava 3 meses para as mesmas 5 imagens…
Até cheguei a conhecer malta só passado 20 anos, pessoas que admirava no graffiti. Hoje em dia já conheces a cara de todos, não têm de estar nos livros para serem conhecidos. E sim, ao final do dia ajuda imenso, mesmo para perguntar sobre novas técnicas a alguém que segues ou partilhar momentos.
E em casa e com duas crianças? És Hesp também ou só Tiago? Para quando uma parceria deles contigo?
Já aconteceu! O mais velho com 1 ano fez uma “riscadela” um dia e eu aproveitei. Faço uma coisa várias vezes com o Vasco e o João: estendemos papel no chão e riscamos. Aprendo bastante com eles porque riscam de forma descomplexada. Têm uma noção cromática super interessante e temos algumas experiências expostas em casa! A verdade é que por vezes tens que te dividir. Tentar desligar a cabeça quando chega a hora de os ir buscar à escola, por exemplo. Porque existem mais pessoas para além de ti. Às vezes não é fácil porque trabalhas de forma criativa e tu sabes isso. Nem sempre tens horas e quando sentes que a máquina esta a engrenar é quando tens de parar. Eu estou sempre a trabalhar, por vezes até a conduzir ou no café. A cabeça está sempre a trabalhar… mas quando chega a uma determinada hora tens de parar. Não como dever mas porque tens ali outra coisa da qual gostas muito, muito e tens de dar de ti, para receber também.
Tens alguma pergunta a fazer a alguém ou gostavas de ler sobre essa pessoa no futuro aqui na VULTO?
Escolho a Lígia Fernandes. Temos uma história interessante, pois em 2018 comprei-lhe uns prints, em frente à Faculdade de Belas Artes, e acabei por ir lá parar um ano mais tarde para fazer duas cadeiras, por causa dela: desenho e métodos e técnicas de desenho. Tem um trabalho mais clássico, cheio de expressão e com um traço só dela.