DOUGLAS CARDOSO_ DESTINO ESCRITO NA PELE

foto: Fabio Borgatto

Do início de tudo, do outro lado do Atlântico, à consagração em Lisboa. Douglas é sinónimo de alguns acasos, sim, mas também de muita dedicação. Do sorriso fácil, de mãos dadas com a criatividade que o caracteriza, traça-se então um destino incrível, deste que é um dos grandes nomes da tatuagem em Portugal.

Obrigado por te juntares à VULTO. Desta vez não estamos no teu estúdio! Mas já lá vamos… antes de abordarmos o teu trabalho, onde é que nasceste e quando é que chegaste a Portugal e porquê?
Eu nasci no interior do estado de São Paulo, Brasil, numa cidade chamada Itaberá. Cresci em Piraju, cercado de pés de café, cana de açúcar, milho, mandioca, pamonha e muita água boa na beira do Rio Paranapanema. A minha adolescência foi basicamente na pista de skate em frente ao rio. Ainda muito novo trabalhei numa estamparia (serigrafia) como ilustrador e mudei-me para a cidade de Marilia para estudar Design, onde também comecei a trabalhar em agência. Ao formar-me, fui para São Paulo trabalhar numa agência maior, chamada Ponto de Criação, como Director de Arte Júnior, e estudar comunicação social, onde fiquei durante 3 anos e tal… Encontrei por acaso um folheto no chão da faculdade a falar sobre vagas de intercâmbio em Portugal. Fui pesquisar sobre isso e já não teve volta! A ansiedade de mudar era tanta que logo fiz de tudo para abraçar esta oportunidade e vim parar a Lisboa para terminar os meus estudos e voltar em 4 meses… Este ano fazem 10 anos que estou aqui e parece que cheguei ontem! O meu coração vive aqui, juntamente com a minha família que agora posso chamar de nossa, com a minha mulher Natasha, os nossos filhos Annie e Artur e a minha mãe Dinorah, que também veio viver para cá connosco.

Sei que trabalhaste numa agência de publicidade. Como é que foi a tua formação?
Como tinha dito, formei-me em Design e durante os estudos de comunicação social mudei-me para Portugal para terminar a faculdade. Quando cheguei à cidade consegui trabalho na Leo Burnett. A maravilhosa Luciana Cani, como Directora Criativa, abriu-me essa porta e fiquei lá durante quase 4 anos. Foi a agência onde consagrei-me como Director de Arte e Ilustrador e acho que foi o momento certo, já que a minha fome criativa foi super alimentada pelas boas oportunidades e trabalhos que fiz, juntamente com pessoas que usaram o meu potencial e proporcionaram o meu encontro, e uma relação mais íntima, com a arte, que posteriormente viria a ser a tatuagem. Pois é… não voltei mais para o Brasil e nem terminei os meus estudos mas vivi a melhor oportunidade que a vida me deu.

Tinhas um trabalho das “nove às seis” ou nem por isso? O que é que te faz dar o salto e deixar tudo isso para trás?
Quando comecei a tatuar foi o momento em que eu andava a experimentar tudo o que estava ao meu alcance. A nível criativo, o meu trabalho na Leo Burnett também proporcionou isso, juntamente com a minha vida pessoal, ao apaixonar-me pela Natasha. Trabalhávamos juntos e por um grande acaso o pai dela também é tatuador e pioneiro da tattoo em Portugal: o Francisco El Diablo. 
O meu convívio na rua com os meus amigos e o skate também me aproximaram mais do espírito da tatuagem e de uma possível carreira, pois de repente, ao aproveitar-me dessa onda criativa e da vontade de fazer coisas, tatuei praticamente todos os meus amigos… e já não havia volta a dar! Senti uma liberdade muito grande e difícil de conter, dentro de uma agência das nove às seis, e tive de pedir a demissão e dar o salto para me dedicar a 100% à tatuagem. Passou a fazer cada vez mais parte da minha vida e de maneira muito intuitiva e natural, juntamente com o trabalho duro aliado às oportunidades que tive, tornei-me tatuador a tempo inteiro.

Já são muitos anos a tatuar… aliás, és um dos nomes mais conhecidos no país. Há quanto tempo deixas a tua marca nas pessoas? Onde é que começaste e com quem deste os primeiros passos?
Em 2012 tatuei pela primeira vez o meu amigo Pablo Moraes, em Lisboa e na minha casa. Era para ser uma experiência mas foi um divisor de águas e ao tatuá-lo, e com o uso das redes sociais, mais pessoas começaram a pedir-me tatuagens até começar a ter clientes a sério e, também, a atrair a atenção de clientes fora de Portugal. Isso foi-me pedindo cada vez mais responsabilidade e aprofundamento na tatuagem. Os meus primeiros 3 anos foram praticamente a aprender sozinho, junto das pessoas que eu tatuava, e a seguir a oportunidade de trabalhar com o meu sogro, que também foi inevitável. Ali na El Diablo, loja onde trabalhei durante 3 anos, foi onde consagrei-me tatuador e fiquei inserido de vez no cenário da tattoo em Portugal e no mundo.

Agora tens um espaço só teu. Sentes que atingiste a plenitude, no sentido em que consegues definir melhor a tua vida, fazer os teus horários e focar-te, também, noutros projectos?
Trabalhar sozinho fez-me criar uma ligação maior com as pessoas que eu tatuo. Posso organizar melhor o meu tempo e diminuir a quantidade de trabalho para melhorar a qualidade, podendo dar assim um tempo mais humano e de respeito às pessoas que escolhem ser tatuadas por mim. Isso fez com que eu me sentisse mais humano também e mais íntimo com a tatuagem. Sei que dá para gastar mais energia no processo de estudo com as pinturas de tattoo e com outros projectos, que me dão muito prazer e vontade de seguir a evoluir, de maneira natural e leve. Sem dúvida que ser pai fez-me procurar esta plenitude e deu novo sentido e significado nesta jornada.

Para além da tua agenda super preenchida ainda tens duas crianças em casa. A gestão do dia-a-dia já é algo natural ou ainda dás por ti a pensar em esquemas para conseguires fazer tudo e passar tempo com a tua família?
A gestão do dia-a-dia passou a ser natural mas com muita logística, disciplina e trabalho duro, partilhado entre mim e a minha mulher. Para isso tive de fazer escolhas… Formar uma família fez com que eu tivesse oportunidade de rever todos os meus valores/estilo de vida e dar prioridade a coisas que eu não consigo medir em quantidade mas sim em qualidade. Antes, acreditava que tempo era dinheiro. Hoje acredito que tempo é vida. E a vida dá-se nas coisas mais simples que só ao observar as crianças e a nossa criança interior é que podemos compreender melhor onde e como estamos a viver o nosso tempo. É assim que tento organizar-me. É uma agenda apertada, sim, com bastante improviso e menos horas de sono (pelo menos nesta fase), mas com tempo suficiente para fazer tudo o que é preciso com muito amor e paciência para cuidar uns dos outros, dar o exemplo e voltar a ter alguma fé e esperança na humanidade através dos nossos filhos.