ANA GIL_ A PLENITUDE DO SONHO

O momento em que se descobre um rumo a seguir por vezes vem entrelaçado com uma vontade com voz própria de fazer acontecer e que existe desde sempre. Há quem procure durante toda uma vida uma razão e há quem, já sem saber o que veio primeiro, se a memória se o desenho, comece a pintar sonhos à mesma velocidade que aprende a dar os primeiros passos. A Ana Gil é uma dessas pessoas.

Bem-vinda! E obrigado por estares aqui connosco. Desde pequena que querias seguir artes? Ou tinhas o sonho, como muitas outras crianças, de ser médica, por exemplo?
Como todos os pequenos, projectamo-nos em vários sonhos e ideias. Talvez nunca nos ajustamos à pergunta adulta: o que queres ser quando fores grande? As possibilidades são tantas. E a nossa vida resulta de tantas camadas e momentos. Desenhar e pintar foi sem dúvida algo que sempre me acompanhou e que sempre que divertiu muito.

A pergunta tinha rasteira, até porque começámos a estudar juntos, logo na 1.ª classe. Ainda que não soubesses o que querias, a verdade é que estavas sempre a desenhar. E desenhavas bem! Achas que transportas alguma dessa visão e desse espírito “infantil” e despreocupado para o que fazes actualmente?
Verdade! Tenho imensos desenhos que guardo desde a nossa primária. Acho que esse processo e oportunidade de expressão desde pequenos é fundamental. Tento transportar a clareza e a espontaneidade desse espírito “infantil” para as minhas ilustrações.
À medida que ficamos mais velhos, o sentido crítico aumenta quase sempre num sentido negativo. Todos nós temos esta individualidade maravilhosa de desenharmos segundo o nosso imaginário, que é uma pena ser reduzido a “não estás a desenhar parecido”. O que todos precisamos é desse espírito infantil e despreocupado que falas. Dessa leveza e simplicidade.

Tiraste arquitectura mas não seguiste por aí. Já fazias muito do que fazes hoje durante o curso ou isso veio depois? Como é que tudo aconteceu?
Sim! O meu curso foi essencial no meu método e rigor de trabalho criativo. Apesar de comummente se pensar que área artística se pauta por uma ideia de inspiração que nos apanha desprevenidos, o meu processo criativo passa muito por um método de procura e trabalho diário no atelier. A arquitectura pressupõe muito essa pesquisa também.
Foi na Faculdade de Arquitectura – UTL que tive a sorte de me cruzar com professores incríveis, como a Susana Campos, o António Canau Espadinha e o Jorge Spencer, que foram absolutamente estruturantes no modo como observo o mundo. O resto, como a qualquer pessoa, acaba por aparecer e se revelar com o trabalho.

Desenhas enquanto comes, enquanto viajas, enquanto esperas. Pintas também enquanto sonhas? Até porque não é um trabalho das 8h às 17h…
Sim! E esse trabalho não é já um sonho? A parte boa é que quando estou a trabalhar numa ilustração as horas passam de um modo em que te sentes em plenitude com aquilo que estás a fazer. Enquanto essa sorte me for possível, os dias vão passando nessa alegria de se fazer algo que se gosta verdadeiramente e sem dar conta do tempo passar.

Quando vais para fora a máquina fotográfica fica em casa. Há alguma viagem que não consegues esquecer e que tenha sido mais frutífera no teu trabalho?
Inconscientemente estamos sempre a trabalhar e a aumentar o nosso dicionário pessoal de imagens e referências. A última viagem que fiz foi ao México, em 2019, e com essa viagem surgiu o convite da revista de viagens londrina Lodestars Anthology, para partilhar a minha experiência gráfica pela Cidade do México e Oaxaca. Vai sair em breve também um trabalho pela Fundação Calouste Gulbenkian em que irá ser muito visível também como várias das minhas viagens pelo mundo foram absolutamente essenciais para conseguir transmitir com veracidade os ambientes e as sensações que se têm nas várias geografias do mundo.

E um projecto para o qual foste convidada e que te marcou imenso?
Essa pergunta é mesmo difícil. Todos me marcam pela sua diferença. O caminho que faço para chegar a um determinado resultado numa ilustração é o que me marca. Todos os desafios para os quais me convidam são absolutamente essenciais para a pessoa que sou hoje.

Trabalhas mais na rua ou no atelier? A gestão do tempo acontece naturalmente?
A rua é o lugar em que desenho de um modo mais descomprometido. Exploro materiais diferentes em superfícies de desenho inesperados, como uma pedra ou sobre madeira. O atelier é um lugar mais formal, um pouco mais sério e que obedece a uma agenda de entregas e de trabalho. A gestão do tempo é todos os dias uma incógnita flexível. Posso estar a trabalhar enquanto a maioria das pessoas dorme ou, quando muitos estão a sair dos seus trabalhos formais, eu estou a iniciar o meu dia de trabalho criativo.

Como é que te vês daqui a 5, 10 anos? A seguir o mesmo percurso, a viver o dia-a-dia da mesma forma?
Projecto-me no futuro a continuar o meu caminho profissional pela ilustração, mas também sonho um dia ter a disponibilidade de continuar a estudar mais sobre o Desenho, como disciplina e procura individual de nos expressarmos.

Sobre quem gostavas de ler no futuro, aqui na VULTO?
Conheces os Malibu Ninjas? Fica a dica!